Artigos

Modernidade ou retrocesso? Conflito entre simbolismo e realidade na PEC 38/25

*Lucas Augusto Abreu Alves

Os símbolos carregam grande carga de significado e, muitas vezes, passam despercebidos. Não há como desconsiderar a importância de algo que traduz o significado de um sentimento, de uma aparência ou de um fato histórico. O comportamento simbólico expressa a intenção do emissor de transmitir ao receptor uma informação que não é comunicada de forma direta. Os aplausos dos espectadores ao final de uma peça, por exemplo, tem como símbolo a manifestação de que o que foi apresentado agradou aos atores e aos demais espectadores.

Embora seja um exemplo do mundo privado, não se pode excluir esse raciocínio da esfera pública, especialmente da política. O propósito desse simbolismo é revelar intenções e ações com o fim de influenciar a decisão dos eleitores, bem como demonstrar alinhamento com setores defendidos por determinada ideologia política. Um efeito que pode ser intencional ou não é a eternização do nome na história por meio do símbolo. É inesquecível a imagem do deputado Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, erguendo a então nova Constituição, que simbolizava o retorno da democracia brasileira.

Contudo, nem todos os marcos relacionados aos símbolos políticos são positivos. Recentemente, há grande interesse da classe política em deixar uma marca, sendo comumente citada a ideia de austeridade ou modernidade. A EC 38/25, esse possível símbolo, ignora por completo o programa constitucional brasileiro inaugurado em 1988. A denominada reforma administrativa, foi escolhida para ser esse legado. A mensagem que se pretende transmitir com essa proposta legislativa não é a que está expressa em seu conteúdo, mas o que ela denota de forma indireta.

A intenção formal da proposta da emenda constitucional é modernizar o serviço público, com o incremento de qualidade. Esse é um mantra repetido à exaustão no mundo político, servindo como fundamento para todo tipo de alegação. Apesar disso, há diversas previsões que destoam materialmente do objetivo declarado, destacando-se duas: o pacto federativo e a advocacia pública.

O pacto federativo brasileiro formou-se a partir da oposição das oligarquias ao poder centralizador da colônia. O resultado foi a proclamação da República e, posteriormente, a promulgação da Constituição de 1891, primeira a prever a federação, cujo objetivo era a manutenção das elites regionais, e não o efetivo compartilhamento de poder entre os entes federativos. Nesse contexto, instaurou-se um pacto federativo marcado pela forte autonomia das oligarquias regionais, sobretudo as do Sudeste, que controlavam o poder federal por meio da chamada política dos governadores. Essa fase inicial do federalismo brasileiro perdurou até o fim da ditadura militar, em 1985, e caracterizou-se mais pela continuidade de modelo e estrutura federativa em caráter hierárquico, com a União no topo da pirâmide, detendo o comando da política econômica e dos recursos financeiros.

A CF/88 representou uma tentativa de mudança estrutural no federalismo brasileiro ao estabelecer a cooperação como fio condutor das relações entre os entes federativos, ao reafirmar a autonomia dos estados e ao prever a autonomia dos municípios. Ao descentralizar serviços essenciais, como saúde e educação, buscou-se reduzir a concentração de poder na esfera federal, implantando um novo equilíbrio federativo destinado a superar o modelo centralizador da ditadura militar.

Esses instrumentos constitucionais, contudo, não lograram êxito integral em equilibrar a federação brasileira. Ainda assim, não se pode negar que o objetivo do constituinte foi descentralizar o poder da União - propósito que, mesmo não plenamente concretizado, deve sempre ser perseguido pelo constituinte derivado.

A reforma administrativa propõe o contrário, ao concentrar maiores poderes na União. Prevê, por exemplo, que a União detenha competência privativa para planejar a Estratégia Nacional de Governo Digital e a Política Nacional de Dados para o setor público em todos os entes federativos, além de legislar sobre normas gerais relativas ao ciclo laboral dos servidores públicos, à organização administrativa, ao governo digital, à transparência, à segurança cibernética e ao controle interno das administrações públicas.

A padronização de tratamento entre todos os entes federativos, típica de Estados unitários, desconsidera as peculiaridades locais e vai na contramão do federalismo cooperativo, o qual prevê competência legislativa concorrente dos estados e municípios em matéria de servidores públicos. Há, portanto, uma subversão do pacto federativo, que marginaliza as autonomias dos entes locais.

Outro ponto sensível na reforma é a questão da advocacia pública brasileira. Embora houvesse previsões anteriores, somente com a Constituição de 1988 ela passou a ser considerada função essencial à Justiça. Sua função primordial é o exercício da advocacia de Estado, com a defesa do patrimônio público e o controle da juridicidade da administração. Trata-se, portanto, de um dos pilares de sustentação do Estado Democrático de Direito, em razão de seu papel de controle e conformidade na construção e execução de políticas públicas.

Como seus membros são obrigatoriamente advogados, uma das formas de remuneração é por meio de honorários advocatícios. Essa modalidade de remuneração está em plena sintonia com o simbolismo de eficiência e modernidade que os proponentes da reforma alegam defender, pois implica pagamento condicionado ao êxito em ações judiciais. Assim, causa perplexidade a previsão de enfraquecimento - e até de possível extinção - dessa forma de remuneração na reforma administrativa.

Se o simbolismo da reforma é modernizar e tornar eficiente, previsões como essa se mostram incoerentes. Isso expõe que a mensagem transmitida não é a proclamada, mas sim a de precarização do serviço público e consequente enfraquecimento do Estado Democrático de Direito. Além disso, há uma intenção política de enfraquecer justamente aqueles que zelam pela Constituição, permitindo o retorno de práticas anteriores ao regime constitucional, marcadas pelo patrimonialismo estatal.

A difusão de notícias negativas sobre o serviço público, amplamente veiculadas pela imprensa, não deve ofuscar o verdadeiro significado da advocacia pública. Somente em 2024, o Estado do Rio Grande do Sul economizou 2,5 bilhões de reais graças à atuação da Procuradoria-Geral do Estado1. Não há política pública, obra ou contratação que prescinda da atuação da Advocacia Pública Brasileira.

Conclui-se, portanto, que os símbolos são importantes e têm múltiplos significados. Entretanto, é preciso reconhecer que, sobretudo na arena política, o símbolo externado pode não corresponder à intenção real da ação ou omissão. A PEC 38/25, chamada reforma administrativa, ostenta o símbolo de modernidade e eficiência do Estado, mas, na prática, visa à precarização do serviço público e ao enfraquecimento do Estado Democrático de Direito. Espera-se que, ao final, ela simbolize apenas o fracasso, em virtude de sua não aprovação.

Logo-Anape

Endereço

  • SCS | QUADRA 01
  • BLOCO E SALA 1001
  • EDIFÍCIO CEARÁ | BRASÍLIA-DF

Contatos

  • 61.99613.4912
  • 61.3963.7515
  • anape@anape.org.br