Em meio a muitas ideias e projetos, o Congresso e o Executivo tentam desenhar um caminho equilibrado para simplificar o complexo e oneroso sistema tributário brasileiro – uma das prioridades da equipe econômica do governo federal. A ideia é antiga, mas a complexidade da solução faz governo após governo promover ajustes e não se concentrar, de fato, em uma reforma tributária estruturante. Fatiada na Câmara dos Deputados, a esperada reforma tributária se transformou em reforma do Imposto de Renda, cujo texto-base foi aprovado e agora segue para o Senado, e acumula controvérsias.
O principal problema a respeito do debate é que a quantidade de remendos feitos ao longo dos anos transformou o sistema em uma colcha de retalhos mal costurada que não aquece ninguém de forma eficiente, especialmente, aqueles que mais precisam. A última grande reforma tributária brasileira aconteceu com a emenda constitucional 18, de 1965, a partir da criação do então Sistema Tributário Nacional.
A partir daí, diversas mudanças distribuíram as competências e receitas entre os entes federativos e acabaram criando nós no novelo tributário. Na chegada do Simples Nacional, em 2006, o Brasil mudou a relação com o empreendedorismo e aumentou o cobertor. Hoje, o complexo, burocrático e amplamente judicializado sistema fiscal brasileiro se confunde em 27 sistemas fiscais diferentes, adaptados à legislação de cada unidade da Federação, além dos mais de 5 mil modelos municipais.
O arranjo constitucional brasileiro acaba segregando competências e misturando os princípios gerais de tributação. A simplificação, por meio da substituição de cinco tributos em um único Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), é necessária e trará mais segurança jurídica ao país. Ao reduzir a complexidade, haverá menos litígios e uma carga tributária menor, construindo um cenário em que todos pagam, combatendo o problema da má distribuição do encargo tributário.
Por isso, a necessidade da instituição de um tributo que seja simples o suficiente para que os entes federados consigam cobrar de todos, gerando uma distribuição equitativa e igualitária do encargo tributário na sociedade. Independentemente da fórmula e da quantidade de tributos, o fio condutor de uma reforma tributária precisa ser a justiça social.
E é possível constatar que o combate às desigualdades sociais não está contemplado nas propostas atuais. Algumas emendas até tentam trazer esse equilíbrio, entretanto, no geral, as realidades periféricas não são consideradas. A pandemia de Covid-19 escancarou um país miserável, com desigualdades sociais ainda maiores, em que ricos estão mais ricos e pobres morrendo por causa da inaceitável fome.
Para encurtar esse abismo entre as classes sociais, é preciso encarar mudanças reais, costurar uma reforma de verdade, não remendada em simplificações ineficazes. A tributação das grandes fortunas e a redução da carga de impostos sobre o consumo é uma das alterações significativas – com dever social – que a reforma tributária pode trazer. A tributação sobre o consumo e a prestação de serviços penaliza justamente os menos afortunados. O cálculo é extremamente injusto, findando por recolher, proporcionalmente, menos tributos dos ricos e mais dos pobres.
Cerca de 50% da população brasileira é isenta de imposto de renda, mas o preço do imposto de itens básicos para a subsistência como arroz, feijão, pão e leite é o mesmo para todos. Então, proporcionalmente, a carga tributária recai de forma mais cruel sobre aqueles que mais precisam de apoio do Estado. Somente com um foco tributário maior sobre a renda que poderemos reequilibrar a balança da sociedade. E dentro do conceito de justiça social há de se abordar os benefícios sociais, a exemplo do Simples Nacional – que deve enfrentar também uma revisão legislativa.
O Simples foi um passo muito relevante para o Brasil manter vivos os micros e pequenos empresários, que são grandes geradores de emprego. São 17 milhões de micro e pequenas empresas no país, de acordo com o Sebrae, ou seja, cerca de 67 milhões de brasileiros dependem da renda destas empresas. Se considerarmos que cada empresa emprega dois ou três funcionários, chegamos a aproximadamente 50% da população brasileira. Se, com o Simples em vigor, boa parte dessas empresas não conseguem se manter um ano no mercado, o cenário neste período difícil da economia e de pandemia é devastador.
Só nos quatro primeiros meses deste ano, segundo o Sebrae, 316,8 mil pequenas e microempresas (PMEs) foram fechadas no país. Acabar com o Simples é criar mais um obstáculo para essas empresas, empurrando-as a um abismo sem fim de dívidas e miséria. O país precisa oferecer suporte neste momento, a reforma tributária tem de vislumbrar, sim, um novo Simples. Mas, para melhorá-lo e para dar mais condições e incentivos a essas empresas, que são grandes promotoras de emprego e renda. Afinal, para que serve um tributo? Para financiar serviços públicos sociais de qualidade.
A história aponta que as grandes revoluções jurídicas e constitucionais se deram por conta de insurgências relativas ao pagamento de grandes revoluções jurídicas e constitucionais se deram por conta de insurgências relativas ao pagamento de tributos. Está na hora de recomeçarmos essa história resolvendo o problema do nosso sistema de tributação agressivo, que tira dos que têm menos, atrapalha os que querem investir no país e não promove um retorno adequado.
O pagamento de tributos é dever fundamental do cidadão, mas o acesso à saúde, à educação, à segurança e ao lazer também são direitos fundamentais e eles precisam ser prioridade dos governantes.
*Vicente Martins Prata Braga, presidente da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do DF (Anape), procurador do Estado do Ceará, advogado e doutor em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo (USP)
Publicado originalmente em Estado de S. Paulo