Artigo: “Moïse e o Brasil das faxinas étnicas”

Perder a fé na humanidade não pode ser uma alternativa, mas o racismo nos desafia diariamente. Há poucos dias, testemunhamos o massacre sofrido pelo congolês Moïse Kabamgabe, na Cidade Maravilhosa. Cidade Maravilhosa… Como assim? É possível se ver algo de maravilhoso em um país que nega as suas dívidas históricas e que busca a qualquer custo manter o status violento e opressor forjado nos pelourinhos? Mais um crime de ódio para as estatísticas nacionais.
A família de Moïse buscou refúgio no país que acreditava ter acolhido gente como ela, de pele preta, confiantes na Justiça, na não-violência, em uma vida de paz, harmonia, futuro. Ninguém lhes contou que essa fábula criada no Brasil, de democracia racial, foi escrita após a eugenia proposta no pós-abolição legal da escravatura não conseguir vingar, para mostrar um país que jamais existiu.
Estruturalmente racista, o Brasil sonha com faxinas étnicas. Os índios, donos da terra, foram praticamente extintos, tiveram suas terras espoliadas, e sobrevivem, hoje, como verdadeiros párias. Não foram subjugados, mas tiveram que fugir para onde não fossem imediatamente dizimados. Conheciam o chão, sumiram nos sertões, foram sendo cultural e economicamente engolidos. Os negros, sequestrados em suas casas e traficados para cá, à custa de tortura foram controlados por certo tempo. Libertos, foram vistos como estorvos sociais e, ainda hoje, sofrem nas mãos de um Estado que ignora a sua obrigação básica que é permitir dignidade a todos. Moïse morreu por acreditar em um sonho criado a partir de uma mentira.
Não avançaremos enquanto a felicidade de uns for a desgraça dos outros. O Brasil é um país que insiste em tentar florescer irrigado pelo sangue de inocentes. De pretos. De quase pretos. De quem tem, enfim, a cor errada na visão dos racistas.
Meu sonho é não mais escrever palavras amargas, que doem muito mais em mim do que em quem eventualmente com elas se depara. Mas sei que, por muito tempo, será somente sonho. Uns morrerão por ser Zumbi. Outros, por serem Marielle, muitos por serem Moïse, Júlio Cesar, João Alberto, enfim, muitos morrerão apenas porque o Brasil não sabe quem realmente é, e que gente de qualquer cor merece o mesmo respeito. Pretos, brancos, índios, toda gente, todo mundo.
Por fim, vou terminar como comecei: por pior que tudo esteja, perder a fé não pode ser uma escolha. Que o sangue derramado de tantos inocentes não seja em vão. Seja antirracista!
Marcelo Ferreira Costa – Procurador do Estado e diretor de Direitos Humanos da Associação dos Procuradores do Estado do Rio Grande do Sul (APERGS)

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