Por Anne Warth
Brasília, 26/04/2021 - O secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo do Ministério da Economia, Caio Paes de Andrade, disse que a proposta de reforma administrativa do governo ataca privilégios e vai permitir o “resgate da autoestima do servidor público”. Para ele, os funcionários desmotivados devem receber um “abraço” de forma a serem trazidos para o “mundo da produtividade”.
“Eu não conhecia e, conhecendo, passei a achar que há, sim, servidores públicos que são de primeiríssima categoria. O que nós precisamos é olhar para uma parcela dos servidores públicos que não estão devidamente preparados, que não estão devidamente motivados, que estão sem propósito, e dar a eles esse abraço, trazendo-os para o mundo da produtividade, o mundo que o cidadão precisa, o mundo que o País quer”, disse ele, em audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, colegiado em que a reforma vai começar a tramitar.
Entre os servidores elogiados por Paes de Andrade estão vários membros da atual equipe do Ministério da Economia - como o secretário-executivo Marcelo Guaranys, o secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida, o secretário especial de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco, entre outros, que, na avaliação dele, são exemplos e “carregam o piano”.
“Um ponto importante da PEC é permitir o resgate da autoestima do servidor público. Hoje uma grande parte da população tem uma imagem distorcida dos servidores públicos. Eu também tinha antes de vir para cá. O estereótipo é de que servidores públicos trabalham pouco, que vivem em um mundo paralelo, que são egoístas e que não pensam no Brasil. Isso é uma generalização. É como dizer que empresários são predadores, porque alguns abusam dos limites”, acrescentou.
Paes de Andrade classificou ainda uma parcela de servidores públicos como “espertinhos” que precisam despertar para um “propósito”. “Para esses, o ideal é cumprir horário, comprometer-se pouco e receber um salário bacana no final do mês. Eu acredito que o que falta para melhorar a performance desse grupo é gestão, critérios de avaliação e acompanhamento constantes, sérios e imparciais. O que precisamos é dar propósito para essas pessoas. Trabalhar sem propósito é frustrante, nivela o ser humano por baixo. No mundo da informação na palma da mão, não dá para passar a vida batendo o carimbo. Precisamos despertar propósitos adormecidos.”
Segundo o secretário, a reforma administrativa “não é projeto de governo, mas de País”, e dá as diretrizes sobre o que se espera do serviço público no futuro. Paes de Andrade disse que os termos da proposta não vão afetar os direitos dos servidores públicos atuais, mas apenas daqueles que entrarem no governo daqui para frente.
Entre os termos da proposta estão a redução do número de carreiras, implementação de avaliações de desempenho, proibição de progressões automáticas e restrição da estabilidade a carreiras típicas de Estado.
De acordo com o secretário especial, o País gasta 13,4% do PIB com funcionalismo público, acima da média de 9,9% dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Segundo ele, isso mostra que o problema vai além dos salários elevados, já que a maioria dos empregados ganha até quatro salários mínimos. “Temos muita gente que não está 100% preparada ganhando salários maiores que a média do restante do País.”
Também segundo ele, as despesas da União com servidores da ativa aumentaram 145% em 12 anos, de R$ 44,8 bilhões em 2008 para R$ 109,8 bilhões em 2020.
Além da Proposta de Emenda Constitucional (PEC), o secretário prevê que tramitem no Congresso outros projetos de lei sobre gestão de desempenho, consolidação de cargos, funções e gratificações, diretrizes de carreiras, cargos típicos, vínculos por prazo determinado e um novo marco regulatório de carreiras, governança remuneratória e direitos e deveres do serviço.
Para o secretário, o foco da reforma deve ser a mudança do regime jurídico. Na média, segundo ele, cada servidor passa 59 anos vinculado ao Estado: 28 na ativa e 20 anos na aposentadoria, além de 11 anos de pensão.
Além dos concursos públicos para servidores de carreira, o governo quer criar uma seleção simplificada para vínculos com prazo determinado, conferir maior autonomia organizacional ao governo, permitindo extinção de cargos e órgãos, e regulamentar o desligamento por desempenho insuficiente - hoje, demissões só são permitidas por sentença judicial transitada em julgado e infração disciplinar.
O presidente da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (Anape), Vicente Martins Prata Braga, criticou a proposta e disse que a reforma atinge os servidores atuais. Segundo ele, o fim da estabilidade fragiliza o serviço público e as instituições e será uma “porteira aberta para mandos e desmandos e mais atos de corrupção”.
“Aquele servidor que supostamente não cumpre as suas atribuições deve, sim, responder a uma sindicância administrativa, responder a um processo administrativo disciplinar, e, sem o entendimento da comissão processante, ser retirado, ser demitido do serviço público, porque ele é um mal para a sociedade. Porém, nós devemos separar o joio do trigo”, disse.
“Precisamos respeitar o Estado Democrático de Direito. Essa é uma das nossas preocupações. E não se pode falar em Estado Democrático de Direito com uma instituição fragilizada. Nós não queremos prerrogativas que não sejam legítimas. As prerrogativas pertencem à sociedade, pertencem ao cargo que nós ocupamos. Elas não pertencem a qualquer servidor público, muito menos àqueles mal-intencionados.”
Braga criticou também a exigência de dedicação exclusiva e a criação de cargos de liderança para funcionários não aprovados em concurso. “Não podemos acreditar que o servidor público seja o problema do nosso País. Criar, cair na tentação de demonizar não é o melhor caminho”, afirmou.
"Não vamos cair num dos pontos da exposição de motivos, quando do envio dessa PEC, que afirma que o Estado custa muito, mas entrega pouco. Eu não aposto nisso. Eu acho que esse é um dogma que deve ser desfeito, porque esta pandemia mostrou para todos os brasileiros que o Estado pode custar muito, mas ele entrega muito.”
Fonte: Estadão