A forma federativa de Estado, cláusula pétrea da Constituição, não permite que a União negocie ou relativize a autonomia das demais Unidades da Federação. A Anape fará grande esforço para modificar os trechos inconstitucionais do projeto e, se preciso, irá ao STF para contestá-los, nos limites da sua legitimidade para tanto.
O novo texto repete o anterior ao retirar dos Estados e do Distrito Federal a autonomia para decidir sobre a gestão de seus serviços, bens e recursos. Condiciona o acesso e a permanência no Regime de Recuperação Fiscal à autorização de privatização de empresas dos setores financeiro, de energia e de saneamento; redução dos incentivos ou quaisquer benefícios de natureza tributária; cobrança de contribuições previdenciária de, no mínimo, 14%; alíquotas previdenciárias extraordinárias e temporárias superiores a 14%; padronização do regime jurídico único dos servidores estaduais ao dos servidores públicos da União; e - o pior de tudo! –, além de não reduzir o valor nem modificar os critérios de correção e juros sobre o saldo devedor da dívida pública consolidada desse entes federados, condiciona-os à renúncia ao direito em que se funda qualquer ação judicial que discuta a dívida consolidada ou o contrato de que trata o seu art. 9º.
Outra previsão preocupante é a de que os Estados e DF deverão vincular as receitas derivadas de seus impostos, contribuições e repasses constitucionais em contragarantia às operações de crédito autorizadas no plano de recuperação fiscal, sem qualquer contrapartida da União no que diz respeito à assunção de serviços ou à maior participação dos outros entes federados na sua parte em mais de 60% do bolo das receitas tributárias.
Esse rol certamente fere os princípios federativos da proporcionalidade, da solidariedade e da igualdade.
Longe de resolver a grave crise que abate o país, a tentativa de aprovar esse projeto a toque de caixa, sem o debate necessário, apenas prejudica a integridade da Federação. O governo federal não pode aproveitar a situação difícil vivida pelos demais entes federados, para lhes impor acordos que resultem em vantagens políticas momentâneas, mas que, sem medidas verdadeiramente estruturantes, no campo da maior justiça no cálculo da dívida pública, das compensações pelas perdas das desonerações fiscais realizadas pela União e da melhor partilha do custeio dos serviços e investimento públicos e das receitas tributárias, implodam as competências federativas e prejudiquem o futuro do Brasil como uma República Federativa, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal.
Brasília/DF, 23 de fevereiro de 2017.
Marcello Terto e Silva, presidente da Anape (Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal)
Situação do Projeto de Recuperação Fiscal dos Estados e do DF:
Chegou, hoje, à Câmara dos Deputados, o PLP 343/2017, do Poder Executivo, que institui o Regime de Recuperação Fiscal dos Estados e do Distrito Federal.
Poderão aderir ao Regime de Recuperação Fiscal os estados que, cumulativamente, apresentarem: dívida consolidada superior à receita corrente líquida anual; somatório de despesa com pessoal e serviço da dívida superior à 70% da receita corrente líquida; e disponibilidade de caixa, sem vinculação, inferior às obrigações a pagar.
Além disso, o projeto especifica um conjunto mínimo de medidas a serem aprovadas como condição necessária ao ingresso no Regime de Recuperação Fiscal, a saber: privatização de empresas dos setores financeiro, de energia e de saneamento; elevação da alíquota de contribuição previdenciária dos servidores; adaptação do regime próprio de previdência do Estado às regras vigentes no Regime Geral de Previdência Social; redução de incentivos fiscais; revisão do regime jurídico único dos servidores estaduais visando a convergência para regras similares às vigentes para a União; instituição de previdência complementar para os novos servidores; regularização no uso de recursos de depósitos judiciais no financiamento de despesas públicas; e uso de leilões de pagamento para redução dos débitos relativos a restos a pagar e despesas em atraso.
Tramitação:
Segundo a Queiroz Assessoria Parlamentar e Sindical, o projeto aguarda despacho da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados. A tendência é que a matéria seja despachada para análise das Comissões de Trabalho, de Administração e de Serviço Público (CTASP), de Finanças e Tributação (CFT) e de Constituição, Justiça e de Cidadania (CCJC), além do plenário da Casa, que terá a responsabilidade de dar a palavra final. Registra, ainda, que o projeto deverá tramitar em regime de urgência.