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Vínculos precários no funcionalismo afundarão o país em incertezas

Uma das principais bandeiras da equipe econômica federal para solucionar a crise fiscal brasileira, a reforma administrativa (PEC 32/20) está em análise na Câmara dos Deputados. Aprovada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC), a proposta ainda apresenta retrocessos em relação aos vínculos de trabalho que precisarão ser sanados na comissão especial, a fim de evitar insegurança jurídica e precarização do serviço público.


A ideia de construção de uma Nova Administração Pública é fundamental para o país. O cidadão brasileiro merece um serviço público de excelência e a reforma administrativa é uma oportunidade para promover o necessário aperfeiçoamento. Entretanto, uma alteração constitucional precisa estar amparada em um texto justo, objetivo e eficaz, que respeite as garantias individuais e os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal.


O principal questionamento diz respeito à estabilidade dos servidores públicos e à formação de contratos precários. O texto da PEC prevê o fim do Regime Jurídico Único (RJU), troca a expressão “funções públicas” por “vínculos públicos” e detalha cinco tipos diferentes de cargos. Não é a simples mudança de uma expressão. O novo termo cria conceitos amplos e genéricos que contribuem para o enfraquecimento do funcionalismo público.


A partir da implementação dos novos vínculos, a garantia no cargo será mantida apenas aos atuais servidores e aos enquadrados nos “cargos típicos de Estado” por uma futura lei complementar. Segundo o texto genérico da PEC 32/20, estarão na categoria os servidores que têm como atribuição “o desempenho de atividades que são próprias do Estado, sensíveis, estratégicas e que representam, em grande parte, o poder extroverso do Estado”.


Ao deixar a definição em aberto, é bastante previsível o problema que o Congresso terá de enfrentar na hora de aprovar a lei complementar – até hoje existem lacunas na legislação sobre o conceito de “carreira típica de Estado”. A experiência da Emenda Constitucional 19, em 1998, demostrou a complexidade que é, em um país com tantas necessidades e desigualdades como o Brasil, definir quais atividades são essenciais e estratégicas para o Estado.


Mas o equívoco da proposta vai além do debate sobre quais cargos permanecerão com estabilidade. A PEC cria quatros outros vínculos: de experiência; por prazo determinado; por prazo indeterminado; e cargo de liderança e assessoramento. O caminho é porta aberta para a precarização do funcionalismo e a absorção do Estado por interesses políticos ilegítimos. De forma rasa, a PEC amplia as possibilidades de contratação temporária e por indicação política.


Os novos vínculos, possivelmente, levarão a reforma à judicialização. No caso do vínculo de experiência, o Estado aposta muito alto quando admite a possibilidade de um servidor ainda não aprovado em concurso público exercer atos de poder extroverso – regulamentar, fiscalizar, fomentar. É uma violação frontal ao princípio da segurança jurídica.


Já a ampliação dos cargos de liderança e assessoramento é rumo certo para a descontinuidade de políticas públicas. Estudo da Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado Federal sinaliza quase 1 milhão a mais de cargos a serem providos por indicação política nas três esferas de Poder. O serviço público não pode ficar à mercê de ventos políticos. O povo brasileiro não merece entrar em um constante ciclo de projetos que começam e são interrompidos antes de gerarem resultados.


A estabilidade dos cargos do funcionalismo foi incluída na Carta Magna pelo constituinte com o claro objetivo de proteger ao Estado. Ela é fundamental para a democracia. É a garantia da independência e de um funcionalismo forte, sem amarras a interesses passageiros. Quem trabalha para a sociedade precisa ter segurança para pensar no futuro, contribuindo, de fato, para construção de um país melhor.


E, para os casos dos maus servidores que se ancoram na estabilidade para prestarem um serviço aquém do esperado, o Direito Administrativo prevê uma lista de sanções, inclusive, a demissão. A reforma administrativa é uma chance de o país aprimorar, justamente, essa legislação. O Brasil tem diversas experiências bem-sucedidas no que se refere ao controle de qualidade de serviços públicos que servem de exemplo.


É preciso coragem para investir na criação de uma cultura de eficiência e de prestação de contas à sociedade, para além do discurso trivial de demonização do servidor. A reforma tem de indicar métodos de avaliação objetivos, sem perseguições e compadrios, por meio, por exemplo, do fortalecimento das corregedorias e ouvidorias. Uma Nova Administração Pública está surgindo e o foco deve ser a satisfação do cidadão – o cliente final do funcionalismo. Os caminhos são diversos e é papel da comissão especial enxergar todos eles.



* Vicente Martins Prata Braga é presidente é presidente da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do DF (Anape), procurador do Estado do Ceará e doutor em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo (USP)

Publicado em Portal Metrópoles

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