Alzira Soriano e o ‘Zeitgeist’ Potiguar da Política Feminina Brasileira: Não Se Nasce Mulher, Torna-Se Mulher

 Para concepções arraigadas culturalmente, reproduzidas ao longo dos séculos, sobre a pseudo fragilidade das mulheres, secularmente utilizadas para subjugá-las, Simone de Beauvoir respondeu “não se nasce mulher, torna-se mulher”, isto porque não há limitações para a mulher em condições de igualdade para de educar-se e escapar do destino que lhe é imposto. A partir da intelecção de que existência precede a essência, a resposta das mulheres sobre o que ela pode ser é uma questão em aberto.

Tornar-se uma mulher da política foi a escolha da Alzira Soriano, em 1928, a primeira mulher prefeita da cidade de Lajes, no interior do Rio Grande do Norte, fato noticiado no New York Times. A mulher brasileira que não somente votou, mas também foi eleita aos 32 anos, em um universo de direitos políticos permitido apenas aos homens.

Mas o que se tomou como proeza vanguardista da líder municipal potiguar foi resultado de desafio político e jurídico posto à consulta do corpo de juristas consultores do Estado, a advocacia pública, pelo então governador José Augusto Bezerra de Medeiros, que sancionou a Lei 660/27, a partir da compreensão da cidadania contida na Constituição vigente de 1891, que não distinguia se pelo gênero, portanto, a interpretação da Lei 660 permitiu a Alzira Soriano eleger-se com 60% dos votos válidos.

Nos anais do Tribunal Regional Eleitoral Norte-Rio Grandense, bem se observa que a Alzira Soriano não estava em vôo solo, posto que a interpretação nova dada à Constituição e ao Código Eleitoral permitiu a ebulição das reivindicações de mais mulheres pelo direito ao voto, criando-se em agosto de 1928 a Associação de Eleitoras Norte-Riograndenses, filiada à Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, fundada e coordenada nacionalmente por Bertha Lutz, que “[...] propunha a formação de associações, imprescindíveis para funcionarem como elementos de pressão e para fazer frente às reações surgidas, garantindo ‘o êxito no rompimento dos tabus e preconceitos relativos à libertação da mulher". (anais TER-RN)

A história dos direitos nos referencia a afirmar sobre o seu longo período de consolidação e muito mais perverso para aqueles excluídos desta pauta de direitos políticos. Assim, os direitos civis em formação, no século XVIII, foi caracterizado pela adição gradativa de novos direitos a um status já existente e que pertencia a todos os elementos adultos da sociedade. Depois surgem os direitos políticos, no século XIX, quando os primeiros direitos já haviam conquistado substância, especialmente o da liberdade. Os direitos políticos nascem como produto secundário dos direitos civis e, somente no século XX, os direitos políticos são revigorados como status pessoal e não mais atrelado ao substrato econômico. Surgem as sufragistas!

Essa pretensa linearidade da história dos direitos, especialmente o direito de poder votar e ser votado para cargos públicos eletivos, não foi facilmente reservado às mulheres, mas processo construção da igualdade política, como bem se testemunha da luta das pioneiras em importantes conquistas políticas. Personalidades como Alzira Soriano, Bertha Lutz, Celina Guimarães Viana, Júlia Alves Batbosa, Myrtes de Campos, Leolina Daltro e tantas outras, munidas do “Zeitgeist”, da enorme consciência política e social de que tornar-se mulher não é um destino biológico, mas, nas linhas de Judith Butler, “um processo de apropriação e reinterpretação advindas de possibilidades culturais”.

Logo-Anape

Endereço

  • SCS | QUADRA 01
  • BLOCO E SALA 1001
  • EDIFÍCIO CEARÁ | BRASÍLIA-DF

Contatos

  • 61.3224.4205
  • 61.3963.7515
  • anape@anape.org.br