Artigo: ERRO DE CÁLCULO

Antonio Gavazzoni, secretário de Estado da Fazenda e doutor em Direito Público
A Lei Complementar nº148/2014 nasceu da União. Foi aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pela presidente da República. O objetivo central da lei era mudar o indexador (IGP-DI para IPCA), reduzir os juros de 6% para 4% e dar desconto às dívidas dos Estados, já sufocados por décadas de juros acumulados. Ao perceber que, o decreto nº 8.616, que regulamentou a nova lei, fez com que estoque da dívida não diminuiria – mas aumentaria, o Estado de Santa Catarina resolveu exigir a integral aplicação da nova lei.
Foi no artigo 3º da lei que se baseou a Tese de Santa Catarina: “Art. 3º: A União concederá descontos sobre os saldos devedores dos contratos referidos no art. 2º, em valor correspondente à diferença entre o montante do saldo devedor existente em 1º de janeiro de 2013 e aquele apurado utilizando-se a variação acumulada da taxa Selic desde a assinatura dos respectivos contratos, observadas todas as ocorrências que impactaram o saldo devedor no período”. Leia-se: a União concederá descontos sobre os saldos devedores.
Pois bem. Em 1998, quando da renegociação das dívidas, Santa Catarina devia R$4 bilhões. Pagou R$13 bilhões até o final de 2015. E deveria, segundo o recálculo da dívida, feito em 2016 pela União, outros R$9,5 bilhões. Ao invés de desconto, haveria acréscimo de mais de R$1 bilhão ao estoque anterior. Não faz nenhum sentido.
Com essa conclusão, embasada em números e pareceres de uma equipe multidisciplinar, o Governo de Santa Catarina tentou por muitas vezes argumentar com o Tesouro Nacional, mas sem sucesso. Buscamos então uma opinião externa, e obtivemos a chancela do jurista Carlos Ayres Britto sobre o acerto da nossa argumentação: ao utilizar o critério da Selic capitalizada de forma composta no recálculo da dívida, a União não concede o desconto prometido em lei. O desconto da lei só ocorre se o critério for a variação acumulada, ou seja, Selic capitalizada simples.
Simples assim. Santa Catarina não questiona o contrato, mas sim a imposição no recálculo da dívida de cobrança de Selic capitalizada composta – critério de cálculo que, segundo o próprio contrato com a União, se aplica como regra punitiva, em caso de inadimplência.
Após muita argumentação técnica e jurídica, o Estado de Santa Catarina obteve um respaldo retumbante: o reconhecimento do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, de que a União não pode nos impor sanções até o julgamento final do mérito.
A decisão do STF está gerando uma reação em cadeia, já com três liminares favoráveis, agora aos Estados do Rio Grande do Sul e Minas Gerais. A União rebate que esse movimento poderá gerar um rombo de R$313 bilhões. Na verdade, quem está sofrendo com o rombo são os estados, que ao longo dos últimos 17 anos já pagaram sua dívida e o fizeram com critérios de atualização exageradamente caros. A quem cabe o rombo é uma questão de ponto de vista. Ao exigir condições exorbitantes, a União enfraquece os estados que têm as funções de entregar saúde, segurança, educação à sociedade brasileira.
Diz ainda a União, em nota técnica do Ministério da Fazenda, que a diretriz buscada por Santa Catarina atingirá todas as demais relações negociais do Sistema Financeiro Nacional. Cita como exemplos a poupança, contratos de financiamento, títulos públicos e privados, etc. Sugere que a tese provocaria a ruína apocalíptica dos investimentos econômicos em geral. A afirmação é equivocada. Nosso Mandado de Segurança trata da dívida em um contexto federativo. Questiona pura e simplesmente as relações entre União e Estados. A tese não possui inclinação a desconstituir os métodos usualmente utilizados pelas Instituições Financeiras no âmbito das relações privadas. Aliás, nem poderia, porque a lei nº 148 apenas trata de um critério para “desconto”, reconhecendo que já cobrou demais dos estados desde 1998.
Outro argumento apontado pelos contrários à nossa tese é o de que os governadores não têm praticado uma gestão fiscal eficiente. Não é o caso de Santa Catarina. Estamos com nossas contas em dia e não aumentamos os nossos impostos, tampouco lançamos mão da "contabilidade criativa" para fechar nossos balanços. Pelo contrário, fizemos recentemente uma reforma previdenciária, com significativos avanços, e outra administrativa, resultando no corte de centenas de cargos comissionados e funções gratificadas.
Não é verdadeiro também o argumento de que juros compostos são aplicados sobre dívidas tributárias. A dívida ativa é taxada com Selic acumulada e capitalização simples. E não cabe a afirmação de que a Tese de SC, em escala, privilegiaria estados mais desenvolvidos, considerando-se que estados menores produzem menos riquezas.
O que está em discussão é única e exclusivamente a legislação de 2014, que autoriza o recálculo dos contratos pela Selic acumulada com capitalização Simples, especificamente nos contratos das dívidas de Estados e Municípios. Estamos fazendo o que nos cabe como governantes.
A lei teve por objetivo proporcionar alívio financeiro para todos os subnacionais. O art. 3º da LC nº 148/2014, ao determinar que a União “concederá desconto” não deixou margem para a aplicação da Selic capitalizada como critério de recálculo, pois, como dito antes, esta é a regra contratual vigente para a punição a ser aplicada ao estado em caso de inadimplência. Santa Catarina não inventou a legislação, mas quer que ela seja respeitada.
É preciso ver a questão sob outra ótica: o papel da União é o de auxiliar os estados, para que produzam riquezas, sejam cada vez mais independentes e assim auxiliem no equilíbrio fiscal. O critério de atualização da dívida com a União poderia efetivamente contribuir para uma melhor distribuição dos recursos entre as esferas de governo. O que pedimos é apenas a aplicação da Lei nº 148 como ela vige hoje no país. Temos convicção que nossa causa é questão de justiça, que já pagamos o que devíamos. E quem não deve não teme.

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