Artigo: "Intimação pessoal dos advogados públicos como garantia da defesa da coletividade"
O site Consultor Jurídico publicou artigo de autoria do procurador pelo Estado do Paraná Luiz Henrique Sormani Barbugiani. Leia a íntegra abaixo:
Por Luiz Henrique Sormani Barbugiani
A intimação pessoal do representante da Administração Pública Direta, das autarquias e das fundações públicas é uma prerrogativa funcional cujo objetivo maior é preservar o interesse público primário e secundário dos entes públicos eventualmente discutidos em juízo devido ao impacto das decisões judiciais em suas esferas de competência que, direta ou indiretamente, afetam a coletividade.
Não se trata aqui de um benefício ao Advogado Público enquanto servidor, mas sim a garantia de que o representante judicial do ente público tomará ciência do despacho, decisão ou sentença. Diante disso, não é um privilégio em sua essência, pois se consubstancia numa prerrogativa decorrente do exercício das funções.
Ainda que, num primeiro momento, a intimação pessoal possa aparentar um privilégio, se ponderarmos que a cada ano que passa os concursos públicos estão rareando devido à crise financeira pela qual vem passando os entes federativos e, por conseguinte, a reposição dos servidores públicos com a aposentadoria, óbito, exoneração e demissão dos integrantes da carreira demora demasiadamente em comparação ao que ocorre no setor privado, consiste, em verdade, num tratamento desigual com o objetivo de promover um equilíbrio, nivelando as diferenças entre o setor público e privado em prol da isonomia material e não meramente formal.
Além disso, o bem público é de todos e, por esse mesmo motivo, deve ser preservado da melhor maneira possível, sendo a intimação pessoal uma garantia essencial à defesa escorreita dos interesses da sociedade.
Curiosamente, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o mérito do ARE 648629, cuja repercussão geral[i] foi admitida pelo Pleno do Tribunal, determinou a não aplicação da prerrogativa da intimação pessoal no âmbito dos juizados especiais federais, priorizando, com essa decisão, a simplicidade e a paridade de armas, deixando de lado, em nossa opinião, bens e valores de maior envergadura tendentes à tutela do interesse público. Na ocasião, o Pretório Excelso afastou a possibilidade de intimação pessoal de maneira desarrazoada, visto que ela não é incompatível com a simplicidade, a celeridade e a duração razoável do processo, mas seria uma forma de manter maior segurança na apreciação e trato da matéria, salvaguardando a viabilidade de uma defesa escorreita do ente público, possibilitando, portanto, ao juiz decidir com elementos sólidos trazidos pelos representantes do ente público que, por sua vez, foram efetivamente citados, tomando real ciência do conteúdo decisório ou ordinatório, sem dúvidas acerca dos atos processuais.
É inconcebível que, a pretexto de assegurar a simplicidade, desconsidere-se o prejuízo que a ausência de comunicação efetiva traz ao resultado do processo e a relevância do impacto nas receitas públicas, fruto de impostos, taxas e demais tributos, que serão oneradas em virtude de uma comunicação falha.
No intuito de preservar o interesse público, diante de uma decisão de procedência da ação dirigida ao ente estatal, nada mais justo que haja uma maior garantia na comunicação dos atos processuais, pois, em última análise, todos os cidadãos arcarão com as consequências do desvio dessas verbas condenatórias, seja em relação à prestação de serviços, seja no tocante ao aumento da carga tributária.
Além disso, o fato da intimação ser pessoal não prejudicaria o sistema mais simplificado do juizado que apresenta restrições para os recursos e a ação rescisória que, até mesmo, recomendaria a manutenção dessa prerrogativa como uma maneira de assegurar a efetiva ciência dos atos processuais, em especial devido a não aplicabilidade dos prazos em dobro.
De outro lado, como nos juizados especiais os entes públicos encontram-se no polo passivo da ação, seria uma forma de permitir a ampla defesa e o contraditório, não havendo privilégio em relação ao autor, que pela posição processual, associado ao fato de ser o responsável pelo ajuizamento da ação, tomará os cuidados necessários para ser devidamente notificado com a menção correta do seu endereço e demais dados, além do acompanhamento das publicações pelo seu Advogado. A multiplicidade de ações judiciais que assolam o Poder Judiciário com a Administração Pública como réu dificulta sobremaneira a atividade dos Advogados Públicos e a ausência de infraestrutura, de instrumentos adequados e de uma carreira de apoio administrativo nas Procuradorias em geral intensifica a preocupação com o futuro dessa carreira de Estado responsável pela defesa do patrimônio e do interesse público.
Um outro dado importante consiste na circunstância do juizado especial federal, regulado na Lei nº 10.259/2001, e do juizado especial, previsto na Lei 9.099/95, apresentarem formas específicas de intimação, fato que, evidentemente, não ocorre na Lei nº 12.153/2009, que, por sua vez, em seu artigo 6º, estabelece “quanto às citações e intimações, aplicam-se as disposições contidas na Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil”, o que atrairia, por decorrência lógica, a aplicabilidade do artigo 183 do NCPC de 2015 dos juizados da fazenda pública no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios.
Quando o assunto é a representação judicial de empresas públicas e sociedades de economia mista, há um certo consenso no sentido de que, como essas entidades estão submetidas “ao regime jurídico próprio das empresas privadas” pelo artigo 173, §1º, II, da CF, não podem gozar de prazos processuais diferenciados e outras prerrogativas da Administração Pública[ii]. Todavia, devido ao fato da intervenção do Estado com “exploração direta de atividade econômica” ser admissível apenas “quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo”, o interesse público é subjacente e, muitas vezes, essas entidades, por contratarem por meio de concursos públicos, também sofrem com a morosidade de reposição de seus empregados públicos, o que, de certa forma, também autorizaria um tratamento diferenciado. Além disso, constata-se que não se trata de um privilégio que venha a causar concorrência desleal com outras empresas privadas, pois se restringe ao âmbito processual e dá uma segurança maior para a defesa do patrimônio público em sentido lato.
Em alguns casos, como empresas públicas ou sociedades de economia mista exercem atividade de monopólio estatal ou prestam serviços públicos relevantes, elas não se equiparam a empresas cuja a atividade econômica é exercida em regime de livre concorrência que, em tese, dispensaria um tratamento diferenciado[iii], como já assentado pelo Supremo Tribunal Federal, circunstância essa que poderá ensejar a previsão em sua lei de instituição dos mesmos privilégios concedidos aos entes federativos e demais pessoas jurídicas de direito público[iv], como ocorre com os Correios[v].
Durante a vigência do CPC de 1973 não havia uma previsão expressa da prerrogativa de intimação pessoal do Advogado Público, sendo uma peculiaridade do artigo 25 da Lei de Execução Fiscal[vi] para a Fazenda Pública em geral (União, Estados, Distrito Federal e Municípios e suas respectivas autarquias e fundações públicas)[vii].
No âmbito federal há diversos dispositivos atribuindo a prerrogativa da intimação pessoal aos membros da Advocacia da União e Procuradoria Federal e do Banco Central em qualquer processo. Devido a isso pelo princípio da simetria e da isonomia, era defensável, já anteriormente ao NCPC de 2015, que os Procuradores dos Estados e os Procuradores dos Municípios também usufruíssem dessa prerrogativa, especialmente se a sua função é proporcionar uma defesa mais eficiente e escorreita por parte do representante judicial do ente público. A questão era razoável e lógica, na medida em que onde há situação equivalente deve ser aplicada a mesma solução. Aliado a isso, a previsão dessa prerrogativa apenas para os representantes dos entes federais afronta ao princípio federativo e ao princípio de igualdade de tratamento entre os entes federativos.
Apesar da razoabilidade e da proporcionalidade desse raciocínio, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal consagraram o entendimento de que a intimação pessoal era restrita ao âmbito federal, excluindo o “benefício” dos Procuradores do Estado e dos Procuradores do Município, salvo na hipótese de execução fiscal, em que se aplicava o artigo 25 da LEF[viii].
No âmbito federal, dentre os dispositivos que tratavam da matéria, podemos citar o artigo 17 da Lei nº 10.910/2004[ix], o artigo 38 da Lei Complementar nº 73/93[x] e o artigo 6º da Lei nº 9.028/95[xi].
Com a edição do NCPC de 2015 e a vigência do artigo 183 não há mais dúvida sobre a aplicação da prerrogativa de intimação pessoal aos Advogados Públicos representantes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, das autarquias e das fundações de direito público:
Art. 183. A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início a partir da intimação pessoal.
§ 1º A intimação pessoal far-se-á por carga, remessa ou meio eletrônico.
§ 2º Não se aplica o benefício da contagem em dobro quando a lei estabelecer, de forma expressa, prazo próprio para o ente público.
Como o STF não aprecia questão infraconstitucional e não há inconstitucionalidade na edição do artigo 183 do NCPC de 2015, a tendência será que o Superior Tribunal de Justiça modifique a sua jurisprudência dominante, aplicando a integralidade da norma que passou a abarcar os demais entes da federação, com a atribuição da prerrogativa de intimação pessoal para seus representantes em juízo.
Uma situação se depreende da vigência do artigo 183 do NCP de 2015, que consiste na possibilidade dos Tribunais Superiores conformar a interpretação do conteúdo dessa norma, aperfeiçoando a jurisprudência atualmente vigente, ou seja, construindo uma concepção extensiva de tutela do interesse público com o auxílio de todos nós operadores do direito.
É isso que esperamos no trato da coisa pública que justamente por ser pública pertence a todos nós.
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[i] Cf. ARE 648629, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 24/04/2013, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-069 DIVULG 07-04-2014 PUBLIC 08-04-2014.
[ii] Cf. AgRg no AREsp 762.268/SE, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 24/11/2015, DJe 30/11/2015; REsp 1422811/DF, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/09/2014, DJe 18/11/2014; AgRg no AREsp 223.163/ES, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/09/2012, DJe 02/10/2012.
[iii] Cf. RE 599628, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 25/05/2011, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-199 DIVULG 14-10-2011 PUBLIC 17-10-2011 EMENT VOL-02608-01 PP-00156 RTJ VOL-00223-01 PP-00602.
[iv]Cf. REsp 929.758/DF, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/12/2010, DJe 14/12/2010.
[v] Cf. AI 243250 AgR, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 10/02/2004, DJ 23-04-2004 PP-00009 EMENT VOL-02148-06 PP-01150.
[vi] Art. 25 - Na execução fiscal, qualquer intimação ao representante judicial da Fazenda Pública será feita pessoalmente.
Parágrafo Único - A intimação de que trata este artigo poderá ser feita mediante vista dos autos, com imediata remessa ao representante judicial da Fazenda Pública, pelo cartório ou secretaria.
[vii] Apesar do artigo 1º da LEF falar apenas em autarquias, as fundações com personalidade jurídica de direito público se aproximam muito das entidades autárquicas como aventado no precedente a seguir referenciado, o que, portanto, enseja mutatis mutandis a aplicação do regime da execução fiscal: REsp 639.433/SE, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/12/2005, DJ 06/03/2006, p. 173.
[viii] Cf. REsp 1042361/DF, Rel. Ministro LUIZ FUX, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/12/2009, DJe 11/03/2010; ARE 757402 AgR, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 09/11/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-248 DIVULG 21-11-2016 PUBLIC 22-11-2016; ARE 952438 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 17/05/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-112 DIVULG 01-06-2016 PUBLIC 02-06-2016; ARE 896066 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 06/10/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-223 DIVULG 09-11-2015 PUBLIC 10-11-2015; AgInt no AREsp 700.280/BA, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/02/2017, DJe 13/02/2017; AgInt no AREsp 880.938/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/10/2016, DJe 27/10/2016; AgRg no AREsp 667.405/BA, Rel. Ministra DIVA MALERBI (DESEMBARGADORA CONVOCADA TRF 3ª REGIÃO), SEGUNDA TURMA, julgado em 14/06/2016, DJe 22/06/2016; AgRg no AREsp 798.124/BA, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/04/2016, DJe 19/04/2016.
[ix] Art. 17. Nos processos em que atuem em razão das atribuições de seus cargos, os ocupantes dos cargos das carreiras de Procurador Federal e de Procurador do Banco Central do Brasil serão intimados e notificados pessoalmente.
[x]Art. 38. As intimações e notificações são feitas nas pessoas do Advogado da União ou do Procurador da Fazenda Nacional que oficie nos respectivos autos.
[xi]Art. 6º A intimação de membro da Advocacia-Geral da União, em qualquer caso, será feita pessoalmente.
§ 1º O disposto neste artigo se aplica aos representantes judiciais da União designados na forma do art. 69 da Lei Complementar nº 73, de 1993. (Renumerado pela Medida Provisória nº 2.180-35, de 24.8.2001)
§ 2º As intimações a serem concretizadas fora da sede do juízo serão feitas, necessariamente, na forma prevista no art. 237, inciso II, do Código de Processo Civil. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.180-35, de 2001)
Luiz Henrique Sormani Barbugiani é procurador do estado do Paraná, doutor e mestre pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco da Universidade de São Paulo.
Revista Consultor Jurídico, 30 de abril de 2017, 11h58