E a história se repete. Enquanto o Brasil enfrenta uma crise econômica, denúncias de corrupção estampam jornais e movimentam o cenário político. A cada incriminação, a sociedade brasileira, atônita, perde a crença de que o país pode se livrar do triste enredo em que verbas que deveriam melhorar os serviços públicos acabam nos bolsos de gestores mal-intencionados.
A crise sanitária causada pela Covid-19 aprofundou essa realidade. A pandemia deixará o maior legado de corrupção da história, em relação ao curto espaço de tempo. Diante da necessidade de aquisição de insumos de forma célere — cujo objetivo primordial deveria ser salvar vidas —, casos de corrupção surgem proporcionalmente à evolução da pandemia.
E, a cada comprovação de irregularidade, buscamos o corrupto da vez para culpar, num eterno enxugar de gelo que impulsiona crises e não traz resultados a longo prazo. É preciso criar mecanismos robustos que impedirão (ou dificultarão) políticos, funcionários públicos e gestores de se aproveitar da máquina pública para fazer negociatas.
Parte do sistema de controle e combate à corrupção atua de forma organizada em busca de um modelo eficaz, mas é preciso união. Depois da revolução da Operação Lava-Jato, inclusive dos erros, parecia que as mudanças contra a praga da corrupção estavam consolidadas. Mas veio a pandemia, e as persistentes brechas no sistema permitiram novas ondas de desvios. O mesmo filme, péssimo roteiro: má gestão dos recursos públicos, fraudes em procedimento de dispensa de licitação, superfaturamentos, empresas de fachadas ou com incapacidade operacional etc.
Os dados impressionam. A Polícia Federal realizou, desde abril do ano passado, mais de cem investigações de contratos suspeitos, apurando desvios que podem chegar a R$ 3,2 bilhões. Os crimes de corrupção custam caro ao país. Num contexto de pandemia, custam vidas. É a infeliz evolução do crime de corrupção para o crime contra a humanidade. É preciso organizar o extermínio dessa praga. E isso passa, necessariamente, por um pacto social e político.
As frentes de atuação são diversas: comissões parlamentares de inquérito, Tribunal de Contas da União, Polícia Federal, Controladoria-Geral da União, Ministério Público Federal... Entretanto, com tantas ações e poucas soluções para exterminar as brechas, o resultado será o mesmo: o vaivém na busca pelo criminoso da vez.
A solução é a mesma indicada para as doenças: prevenção. Prevenir é mais barato que reprimir e, sobretudo, mais inteligente. O trabalho preventivo verifica onde estão os gargalos usados pelos gestores que buscam se locupletar de forma indevida e fecha as portas. Com um trabalho preventivo bem-feito, é possível evitar conchavos e tentativas de burla.
A Advocacia Pública tem esse papel fundamental de impedir mandos e desmandos com a verba pública, mesmo com o afrouxamento da legislação que diz respeito à contratação pública por causa de uma emergência. As procuradorias, como função essencial à Justiça, estão alinhadas nesse propósito de resguardar o bem público.
É o espírito que precisa mover os órgãos de fiscalização e controle. Para isso, precisamos de uma campanha, um pacto pela mudança de cultura, que envolva entidades da sociedade civil, políticos, os três Poderes, todos. O momento é de união para extirpar a praga que corrói a História do Brasil há séculos.
Vicente Braga - Presidente da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do DF, procurador do Estado do Ceará e doutor em Direito Processual Civil pela USP
Artigo publicado em O Globo - https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/corrupcao-que-pandemia-escancarou.html