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Presidente da ANAPE, Vicente Braga fala ao portal Justiça & Cidadania

Entrevista com o novo presidente da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (Anape), Vicente Martins Braga


Com 1.622 votos dentre 3.050 associados aptos a votar, a chapa única liderada pelo Advogado Público Vicente Martins Prata Braga venceu as eleições da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (Anape) e assumiu, a diretoria da Entidade no triênio 2020-2023. Procurador do Estado do Ceará desde 2008 e presidente da Associação dos Procuradores cearenses desde 2015, Braga tomou posse em 4/6, sucedendo na Presidência o Procurador do Estado do Rio Grande do Sul Telmo Lemos. Nessa entrevista, ele fala sobre a atuação das procuradorias estaduais e municipais durante a pandemia e sobre suas propostas de gestão à frente da Associação.


Revista Justiça & Cidadania – Os procuradores estaduais hoje recebem o devido reconhecimento por parte do Poder Público? As prerrogativas dos Procuradores são respeitadas?
Vicente Martins Prata Braga – Em alguns estados, que têm muito a evoluir, os procuradores ainda não têm o devido reconhecimento do seu trabalho, seja em termos de estrutura ou de remuneração, mas na maior parte das unidades da Federação, por uma construção da Anape junto às associações estaduais, há sim esse reconhecimento do Poder Público. Estamos vivendo agora o julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) dos honorários, que é um tema muito caro para cada procurador de estado. Esse ponto específico dos honorários trouxe um fortalecimento institucional sem precedentes para as procuradorias estaduais e para a advocacia pública como um todo. Evitou que nossa carreira voltasse a ser um trampolim para outras carreiras jurídicas e fortaleceu principalmente aqueles entes menores, sobretudo as procuradorias municipais, que em boa parte não têm como remunerar bem seus procuradores. Por isso os honorários sucumbenciais são atrativos para esses colegas. É importante evitar que eles saiam para tentar outras carreiras, não por vocação, mas pelo desejo de receber uma remuneração mais digna e justa.


RJC – Poderia explicar melhor a questão dos honorários sucumbenciais?
VMPB – Dos 27 estados, incluindo o Distrito Federal, 26 reconhecem que os honorários comerciais pertencem ao advogado que atua na causa em defesa do interesse público. Esses honorários são pagos pela parte privada, sucumbente. Na antiga gestão da Procuradoria Geral da República (PGR), tivemos o ingresso de diversas ações buscando a declaração de inconstitucionalidade dessa destinação em prol do advogado público, alegando que seria uma verba de natureza pública, que não poderia ser paga aos advogados, mas sim destinada aos cofres do Estado. Em nossa linha de atuação junto ao Supremo Tribunal Federal nós mostramos todo o histórico do nascimento dessa verba. (…) Se na relação privada ela pertence ao advogado, na relação que tem a União, o estado ou o município como parte ela tem que pertencer àquele advogado que atua em defesa do ente. O Supremo iniciou o julgamento de quatro ADIs – dentre 26 dos estados e uma da União – propostas pelos estados do Tocantins, Rio Grande do Norte, Roraima e Alagoas, sob a relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, e também o julgamento da ADI da União, com relatoria do Ministro Marco Aurélio Mello. Esses julgamentos vão decidir a quem pertence os honorários, como eles devem ser pagos, se limitam ou não o teto remuneratório, se deve ser aplicado o teto do estado ou o do Supremo. (…)  Estamos acompanhando juntamente com o Conselho Federal da OAB e com o Colégio Nacional de Procuradores Gerais para evitar que tenhamos retrocessos nos direitos e prerrogativas da advocacia pública como um todo.


RJC – O que mais está na pauta da categoria?
VMPB – Temos também a questão da autonomia. Nós acabamos sendo muito confundidos com advogados de governo, quando na verdade somos advogados de Estado. (…) Para que sejam implementadas, por qualquer ente federado, as políticas públicas necessariamente precisam de uma advocacia pública fortalecida, o que passa pelo caminho de autonomia. O advogado precisa ter a tranquilidade para emitir seus pareceres de acordo com sua consciência e com seus estudos, não ficar vinculado às políticas de governo, mandos e desmandos. Quando defendemos uma carreira autônoma, não buscamos benefícios para o procurador em si. O que queremos são benefícios para a sociedade, o que requer uma carreira pública independente e autônoma para emitir opiniões jurídicas de acordo com a sua consciência. 


RJC – O que mais limita atualmente a autonomia dos procuradores?
VMPB – Podemos afirmar que tais limitações são fatos isolados, não predominam no dia a dia da nossa carreira, mas quando acontecem isso se dá mais nos bastidores do que de forma explícita, não chega aos olhos da sociedade. Quando há políticas de governo que vão de encontro ao interesse da sociedade, a advocacia pública, não tendo a plenitude da sua autonomia reconhecida por lei, acaba sendo forçada a compactuar com essas políticas ilegítimas, o que não pode acontecer. Nos entes menores, principalmente Municípios do interior do nosso país, temos casos de utilização das procuradorias locais para perseguição política, o que não se pode admitir.


RJC – O que a Anape pode fazer para fortalecer essa autonomia?


VMPB – Temos projetos de emenda à Constituição, tanto no Senado Federal quanto na Câmara dos Deputados, que buscam resguardar para a advocacia pública estadual a autonomia que defendemos. Estamos analisando também alguma medida jurídica de âmbito nacional que possa nos trazer esse respaldo, esse entendimento pela autonomia. Há diversas interpretações das legislações que regulam a advocacia pública, fomos colocados, por uma delas, dentro do Poder Executivo, mas em nossa visão esse não foi a melhor solução. Estamos inseridos no capítulo da Constituição que trata das funções essenciais à Justiça, tal qual o Ministério Público e a Defensoria Pública, não nos parecendo correto, de forma diversa daquelas carreiras, nos atrelar a um dos Poderes, haja vista que pertencemos à sociedade, defendemos seus interesses e ajudamos na implementação das políticas públicas. Pelo trabalho que fazemos no dia a dia, podemos dizer que somos os advogados da democracia. A partir do momento que temos a democracia sendo atingida e fragilizada, precisamos de uma advocacia pública forte para fazer sua defesa. Não se compra um medicamento para enfrentar a pandemia sem passar pela análise de alguma procuradoria. Não se constrói uma estrada sem passar pela análise de algum advogado público. Todas as políticas públicas implementadas pelos gestores necessariamente passam pela advocacia pública. Precisamos que a advocacia pública seja autônoma para ter a tranquilidade de falar que determinada política pública atende ou não aos ditames legais, não se admitindo o desvio de um milímetro sequer. Não somos nós que vamos escolher quais políticas públicas devem ser implementadas, mas somos nós que iremos barrar aquelas que não são legítimas, que não atendam os interesses da sociedade ou que busquem atingir interesses secundários.   


RJC – Os estados vêm protagonizando as ações de combate à covid-19. Como o senhor avalia a atuação das procuradorias-gerais dos estados para garantir o cumprimento das medidas de segurança?
VMPB – O trabalho é duro, mas isso é interessante, porque mar calmo não forma bons marinheiros. Nesse momento de tempestade que estamos vivendo, a advocacia pública estadual como um todo está se reinventando. Tivemos diversas ações aqui no Estado do Ceará, nós mesmos fomos autores de algumas. Por exemplo, quando do ingresso dos respiradores importados da China em território brasileiro, atuamos para desburocratizar o desembaraço desses bens junto à Receita Federal e à Anvisa por meio de uma ação judicial. Tivemos ações ajuizadas no Brasil inteiro para derrubar requisições feitas pela União de respiradores que foram comprados pelos estados. (…) Os advogados públicos tiveram que inovar e pensar fora da caixa. Houve diversas ações jurídicas montadas por procuradores, inclusive algumas no campo da consensualidade, conversas com a sociedade para entender o que poderia ser feito em busca do melhor interesse coletivo.


RJC – Qual é a expectativa para o futuro dos servidores em geral, e dos advogados públicos em particular, diante da possibilidade de uma reforma administrativa que venha a ser realizada em clima político tão instável?
VMPB – No final de 2019 já estávamos nos preparando para um 2020 difícil no que pertine ao servidor público. Em todos os momentos de crise, somos os primeiros atingidos, somos taxados de marajás e de diversas características que não condizem com a realidade. Só pensam em remuneração do funcionalismo público, mas se esquecem do trabalho árduo do dia a dia e do quanto lutamos para estar naquele cargo. Mas 2020 veio e superou as expectativas, trouxe uma pandemia que colocou o mundo inteiro dentro de casa, impedindo que se produzisse renda. Acabou a receita dos estados, dos municípios e da União, vivemos um estado de calamidade fiscal. O servidor público já era alvo e continuou, mês a mês, sendo ameaçado de redução de salários e cortes. Esquecem que boa parte dos servidores não deixou de trabalhar durante a pandemia. Enquanto servidor público concursado, não estou licenciado e trabalhei muito mais durante a pandemia do que trabalharia em uma situação de normalidade. O Judiciário produziu como nunca, todos nós trabalhamos como nunca. É um folclore dizer que os servidores estão trancados dentro de casa recebendo salário. (…) Mas sabemos que os servidores públicos vão continuar na berlinda, como alvos, e por isso vamos tentar mostrar a essencialidade do nosso serviço para a concretização dos interesses da sociedade organizada. 


Fonte: Editora Justiça&Cidadania

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