O Congresso Nacional pode corrigir uma omissão histórica de nossa Constituição e aprimorar um dos mais eficazes instrumentos de controle da legalidade dos atos públicos sem que seja necessário despender um único centavo. A oportunidade é a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 82, que garante autonomia à advocacia pública –já aprovada em comissão especial da Câmara e aguardando votação no plenário.
O que se espera da advocacia pública, representada pelos procuradores lotados nas Procuradorias-Gerais dos Estados (PGEs), é que defenda o Estado nos litígios judiciais propostos pelo ente público e contra ele. Esta é uma de suas atribuições constitucionais. Outra de suas funções, não menos importante e talvez até mais relevante do ponto de vista da sociedade, é a de prestar consultoria e assessoria jurídica aos diversos órgãos do Estado no sentido de orientá-los quanto à legalidade de seus atos, sejam eles relacionados a medidas rotineiras, como a realização de licitações, sejam eles dedicados à adoção de políticas públicas nas mais diversas áreas.
Um exemplo da atuação dos procuradores no que diz respeito à sua atividade de consultoria é o controle da legalidade das licitações. É função das PGEs promover a análise jurídica da legalidade dos mais diversos editais destinados à contratação de obras, bens e serviços do Estado, seja por meio de secretarias, autarquias ou empresas públicas. A PGE está literalmente dentro de toda a administração pública.
Esta atividade é importante porque apenas por meio dela é possível evitar que, por desconhecimento ou até mesmo má-fé, representantes do Estado descumpram a lei e, no futuro, a sociedade sofra os prejuízos de sua atuação. Exemplos desses prejuízos não faltam como licitações direcionadas ou mal feitas que, levadas a cabo, acabam provocando a suspensão de obras quando parte do dinheiro já foi empenhada. Sem falar nas licitações que, depois de lançados editais e mobilizado o aparato estatal para sua realização, são suspensas pela Justiça diante de pedidos de participantes em função de problemas que poderiam ser facilmente evitados.
Mas, se a atuação consultiva das PGEs já é prevista na Constituição, porque desperdícios de dinheiro público com licitações fora dos parâmetros legais continuam a ocorrer? Porque falta aos procuradores dos Estados a autonomia funcional, uma condição essencial à advocacia, presente em todas as demais funções essenciais à Justiça.
Sem autonomia, o procurador do Estado acaba por ficar sujeito a pressões das mais variadas, exercidas pela administração de ocasião. Não é difícil imaginar que um governante, interessado em direcionar uma licitação a um doador de campanha, por exemplo, pressione o procurador, funcionário público que é, a dispensar uma análise mais criteriosa de um edital ou a não apontar a existência de eventuais ilegalidades. Sem autonomia, resta a ele obedecer a ordem dada, pois casos de rebeldia podem ser punidos com ameaças de processo disciplinar.
Isso não prejudica em nada a necessária parceria entre as Procuradorias e os administradores públicos, que poderão continuar contando com a assessoria jurídica necessária à realização das mais variadas políticas públicas. É papel dos procuradores viabilizar a concretização das escolhas feitas pelos chefes do executivo. O que se pretende é impedir a ingerência política na atuação técnico-jurídica dos advogados públicos.
A oportunidade para dar às PGEs a autonomia necessária para que possam melhor zelar pela legalidade no gasto do dinheiro público está dada na PEC 82, que representa um enorme passo no combate à corrupção tão necessário em nosso país.
CAIO GUZZARDI, 35, é presidente da Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo (Apesp)
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2014/08/1497320-caio-guzzardi-aprovacao-da-pec-82-e-uma-oportunidade-historica.shtml