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O Teletrabalho na Reforma de 2017 no Brasil e a Organização Internacional do Trabalho (Oit): Ponderações e Projeções

Telework In The 2017 Reform In Brazil And The International Labour Organization (Ilo): Considerations And Projections

Luiz Henrique Sormani Barbugiani*

1. NOÇÕES GERAIS SOBRE O TELETRABALHO

O teletrabalho é uma das facilidades decorrentes da evolução tecnológica, sendo previsto de maneira implícita na Consolidação das Leis do Trabalho, desde a edição da Lei nº 12.551, de 2011, ao inserir no Art. 6º, o parágrafo único, expressamente consignando

1 Artigo originalmente publicado por Luiz Henrique Sormani Barbugiani, em 2021, na Revista del Foro Federal del Trabajo, sob o título “Teletrabajo en la Reforma de 2017 en Brasil: ponderaciones y proyecciones”. Trabalho apresentado nos eventos XXII Encuentro Nacional FOFETRA, II Encuentro Internacional FOFETRA e VIII Jornada Nacional Instituto de Derecho del Trabajo Dr. Norberto Centeno del Colegio de Abogados y Procuradores de Salta.
* Doutor e Mestre em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Doutor em Administración, Hacienda y Justicia en el Estado Social pela Universidad de Salamanca. Mestre em Antropologia pela Universidad de Salamanca. Membro da Sociedade Ibero-Americana de Antropologia Aplicada. Membro do Instituto IberoAmericano de Direito Processual. Membro do Instituto Português de Processo Civil. Membro correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão e da Academia Pernambucana de Letras Jurídicas. Membro convidado estrangeiro do Foro Federal de Institutos y Comisiones de Derecho Laboral de los Colegios de Abogados y Procuradores de la República Argentina (FOFETRA). 272

que “os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio” e, ao mesmo tempo, alterando e complementando o caput, do dispositivo mencionando, explicitamente como modalidade de trabalho o executado à distância, ponderação consagrada na redação atual, no sentido de que “não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego”.

A designação do teletrabalho não é uniforme, apresentando plúrimas concepções:

A definição de teletrabalho não é unívoca: encontra-se na literatura, tanto nacional como internacional, a utilização de diferentes termos para se referir à mesma coisa e de um mesmo termo para aludir a diferentes especificidades (Sakuda, 2001). Nos EUA, é mais frequente o uso do termo telecommuting, enquanto na Europa sobressai o uso do telework. O primeiro termo enfatiza o deslocamento entre o centro demandante do trabalho e o local onde é realizado, sendo substituído pelo uso de ferramentas telemáticas. O segundo enfoca as atividades realizadas por tais meios tecnológicos. Ambos os termos, porém, dizem respeito a um mesmo universo de organização do trabalho, referindo-se à atual tendência das atividades laborais serem realizadas com uso de meios telemáticos sem necessidade de deslocamento do trabalhador ao local onde os resultados devem ser apresentados. Também se encontra com frequência o termo home office - contudo, diz respeito a uma categoria específica dentro do contexto maior do telework ou telecommuting, que trata da peculiaridade de ser realizado na casa do trabalhador.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) opta pelo termo teletrabalho (telework, em inglês), mas destaca categorias específicas dentro dele. Em sua sistematização, o teletrabalho deve ser conceituado quanto a diferentes variáveis: a) local/espaço de trabalho; b) horário/tempo de trabalho (integral ou parcial); c) tipo de contrato (assalariado ou independente); e d) competências requeridas (conteúdo do trabalho). Dentro dessas variáveis podem ser elencadas diversas categorias de teletrabalho. Em um estudo realizado com milhares de teletrabalhadores em dez países europeus, além do Japão e dos EUA, destacam-se seis categorias principais de teletrabalho (European Commission, 2000). Esses tipos foram sistematizados por Rosenfield e Alves (2011b): trabalho em domicílio: também identificado com 273 o termo small office/home office (SOHO), trata-se do trabalho realizado na casa do trabalhador; trabalho em escritórios-satélite: os trabalhadores executam o trabalho em pequenas unidades espalhadas de uma empresa central; trabalho em telecentros: o trabalho é realizado em estabelecimentos normalmente instalados próximo ao domicílio do trabalhador que oferecem postos de trabalho a empregados ou várias organizações ou serviços telemáticos a clientes remotos; trabalho móvel: fora do domicílio ou do centro principal de trabalho, compreendendo viagens de negócios ou trabalho de campo ou em instalações do cliente; trabalho em empresas remotas ou offshore: call-centers ou telesserviços por meio das quais firmas instalam seus escritórios-satélite ou subcontratam empresas de telesserviços de outras zonas do globo com mão de obra mais barata; trabalho informal ou teletrabalho misto: arranjo com o empregador para que se trabalhe algumas horas fora da empresa (Rocha, 2018, p. 152-162). 

O teletrabalho deve ser compreendido como o gênero do trabalho que poderia ser executado pelo empregado nas dependências da empresa, mas, diante dos instrumentos tecnológicos, pode ser realizado fora da empresa, como, por exemplo, em sua residência (home office), salas alugadas, cafeterias, praças de alimentação em shopping center ou qualquer outro lugar, ainda que em movimento (dentro de ônibus, trem, avião etc.), desde que haja acesso à internet e demais equipamentos, como notebook, tablet, dentre tantos outros que viabilizem a normal execução do trabalho em condições equivalentes aos que permanecem trabalhando na empresa.

O teletrabalho não se confunde com o trabalho externo, que consiste no executado obrigatoriamente fora das dependências da empresa, como vendedores externos e motoristas de ônibus ou caminhão, cujas atividades pressupõem a distância em relação ao estabelecimento físico da empresa.

 O trabalho remoto ou à distância pode ser utilizado como sinônimo de teletrabalho, contudo, o trabalho remoto em sentido estrito deve ser compreendido como aquele em que o trabalhador permanece fora da empresa, em outro local, mas acessa remotamente uma plataforma do empregador ou mesmo aciona à distância equipamentos ou, ainda, robôs em uma linha de 274 montagem, que permanecem dentro do estabelecimento do empregador. 

Quando a atividade do teletrabalho é executada à distância, mas não acessa plataformas ou equipamentos localizados no estabelecimento do empregador, mas de terceiros, como ocorre com os advogados empregados de uma empresa ou escritório de advocacia, que para peticionar no exercício de suas funções acessam os programas dos Tribunais do Poder Judiciário, trata-se da modalidade de trabalho remoto em sentido amplo, que se aproxima da noção genérica de teletrabalho. 

2. DISPOSIÇÕES NORMATIVAS QUE REGULAM OS DIREITOS DOS TRABALHADORES EM REGIME DE TELETRABALHO: ASPECTOS POLÊMICOS

Na reforma da legislação trabalhista implementada no ano de 2017, algumas disposições foram inseridas na Consolidação das Leis do Trabalho, regulando em alguns preceitos o teletrabalho em caráter geral. 

Os preceitos normativos são extremamente abertos e genéricos, prejudicando uma tutela efetiva do empregado submetido ao regime de teletrabalho, sendo oportuna algumas ponderações sobre a interpretação dessas disposições legais. 

No Art. 62 da Consolidação das Leis do Trabalho foi inserido o inciso III, para expressamente excluir os empregados em regime de teletrabalho da proteção de limitação da jornada de trabalho. O argumento utilizado é a impossibilidade de controle de jornada desses trabalhadores, equiparando-os aos “empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho”, já previsto no inciso I, do mesmo dispositivo, e acima mencionado.

  Ocorre que a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, em diversas oportunidades, vem restringindo o alcance da exclusão do controle e, por conseguinte, da limitação da jornada, autorizando o pagamento de horas extras para motoristas, vendedores e 275 empregados em teletrabalho quando demonstrado que direta ou indiretamente esse controle do período de trabalho efetivamente existia ou era possível2 , mantendo a exclusão do pagamento de horas extras apenas quando inexistir qualquer controle efetivo da jornada de trabalho ou ser impossível a sua concretização3 . Por 

2 "RECURSO DE EMBARGOS. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. HORAS EXTRAS. TRABALHO EXTERNO. RASTREAMENTO. MECANISMO DE CONTROLE INDIRETO DA JORNADA DE TRABALHO. A c. Turma consignou que não restou comprovada a fiscalização de jornada, porquanto o rastreador se destina apenas à garantia da segurança de veículos e cargas. No entanto, pacífica a jurisprudência deste Tribunal Superior no sentido de que o sistema de rastreamento via satélite, independentemente de sua finalidade como instrumento de proteção e segurança contra roubos, constitui um meio indireto, porém idôneo, de fiscalização da jornada de trabalho. Recurso de embargos conhecido e provido" (E-ED-ARR-1755-83.2012.5.09.0965, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 12/04/2019).
3 “AGRAVO DE INSTRUMENTO DA RECLAMADA. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO ANTES DA LEI N. º13.015/2014. ART. 896, § 1°-A, I, DA CLT. ENQUADRAMENTO COMO FINANCIÁRIO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRESSUPOSTOS E VALOR ARBITRADO. ADICIONAL DE TRANSFERÊNCIA. [...]. HORAS EXTRAS. TRABALHO EM HOME OFFICE. O Tribunal Regional manteve o indeferimento das horas extras, porque concluiu que o reclamante estava enquadrado no Artigo 62, I, da CLT, já que trabalhava em Home Office sem horário fixo, sem jornada preestabelecida, sem sujeição a cumprimento de itinerário, e por haver divergência nas declarações do autor e de sua testemunha quanto à cobrança de visitas diárias. As instâncias ordinárias, após avaliarem o quadro fático produzido, concluíram que o empregado não estava sujeito a controle de jornada no trabalho home office, por isso foi enquadrado no Art. 62, I, da CLT, razão pela qual a revisão do decidido demandaria um reexame de todo acervo probatório, procedimento vedado nesta instância extraordinária, a teor da Súmula 126/TST. Agravo de instrumento a que se nega provimento. [...]” (AIRR-1278-32.2012.5.04.0017, 2ª Turma, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 29/05/2020).
"AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. HORAS EXTRAS. TRABALHO EXTERNO. CONTROLE DE JORNADA. O Tribunal de origem, pelo exame do conjunto fático-probatório, concluiu que ficou demonstrado nos autos o enquadramento da reclamante na previsão do Artigo 62, I, da CLT, porquanto ela exercia trabalho externo sem qualquer controle de horário. Diante desse contexto fático, insuscetível de revisão nesta instância extraordinária, a teor da Súmula nº 126 desta Corte, incólumes os Artigos 62, I, e 74, § 2º, da CLT. Agravo de instrumento conhecido e não provido" (AIRR-11218-96.2015.5.01.0082, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 19/11/2019).

óbvio, essencial a demonstração pelo empregado de elementos de provas e indícios de uma jornada, além dos limites legais para o pagamento de horas extras. Isso é facilmente demonstrável, por exemplo, pela exigência de metas que seriam insuperáveis no período normal de trabalho e na hipótese do teletrabalho, com maior razão, devido à essencialidade da prestação do trabalho remoto por meio do acesso a plataformas digitais e aplicativos do empregador, via rede mundial de computadores. Devido à evolução tecnológica, os mecanismos de fiscalização e controle da jornada de trabalho também se aperfeiçoaram. Além disso, se um trabalhador em condições normais estatisticamente consegue produzir uma quantidade certa de produtos ou executar determinados serviços específicos, exatamente o número maior ou menor de produtos produzidos e dos serviços realizados são um forte indicativo de que existe ou não uma jornada extraordinária. 

A reforma de 2017 também inseriu na Consolidação das Leis do Trabalho o capítulo II-A, intitulado “Do Teletrabalho”, no Título II, denominado “Das Normas Gerais de Tutela do Trabalho”, dispondo desse regime de trabalho entre os Artigos 75-A a 75-E. 

O teletrabalho é definido legalmente como “a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo”, não descaracterizando esse regime de trabalho o “comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento” (Art. 75-B).

Como se trata de um regime especial de trabalho, a sua previsão deve constar de contrato escrito, com discriminação das atividades a serem desempenhadas pelo empregado. A legislação permite a alteração do trabalho presencial por teletrabalho, desde que se implemente, por meio de acordo entre as partes (empregador e empregado), consubstanciado em um aditivo contratual, sem qualquer outra restrição, contudo, o inverso, ou seja, a migração do teletrabalho para o presencial, pode ocorrer em virtude de 277 determinação unilateral do empregador, com o devido registro no contrato, assegurando-se tão somente um prazo mínimo de quinze dias para o trabalhador se organizar (Art. 75-C). 

A regulação da matéria é incoerente porque prioriza a vontade do empregador, dispensando a celebração de um acordo bilateral com o empregado para autorizar que ele unilateralmente promova a transposição do teletrabalho para o trabalho presencial, bastando a exclusiva vontade e determinação do empregador. Ora, se, no caso, exige-se o acordo bilateral para que o trabalhador presencial se torne teletrabalhador, não há coerência em que o inverso dispense a disposição convergente e bilateral da vontade das partes. Além disso, se o empregado estava desempenhando suas atividades em trabalho remoto adequadamente, não é legítimo exigir unilateralmente a alteração, sem uma justificativa legítima de cunho técnico e submeter a alteração à singela vontade do empregador. 

A previsão legislativa também é obscura pelo motivo de não especificar se, durante o prazo de quinze dias de transição, o trabalhador permanecerá executando suas atividades em teletrabalho ou será dispensado para planejar adequadamente as medidas necessárias para sua migração para o trabalho presencial, o que seria mais coerente diante das necessidades de adaptações de suas rotinas pessoais e familiares, bem como as decorrentes de deslocamento, alimentação etc.

 Como é usual, os instrumentos disponibilizados pelo empregador para viabilizar a execução do trabalho do empregado não são computados como parcela da remuneração para fins trabalhistas, o que é legítimo, contudo, a reforma de 2017 não determina que os custos com a migração do trabalho presencial para o teletrabalho serão do empregador, especificando que a “aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito” (Art. 75-D). 

No caso, não é legitimo carrear ao empregado os custos da atividade empresarial sem um ressarcimento para os gastos 278 decorrentes da assunção das funções em regime de teletrabalho, mesmo porque, como a legislação autoriza que o empregador unilateralmente exija que o empregado passe a trabalhar presencialmente, o empregado estaria submetido a um duplo ônus: a) adquire instrumentos tecnológicos e demais equipamentos para exercer suas atividades em teletrabalho; b) com a determinação do empregador para que passe a trabalhar presencialmente, perde todo o investimento em tecnologia sem qualquer reembolso, passando a despender gastos com alimentação e deslocamento, sem desconsiderar o tempo e o estresse decorrente da adaptação à forma de execução do trabalho.

Outro ponto polêmico da reforma é a determinação de que “o empregador deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho”, o que é legítimo e coerente, mas a obrigação de que “o empregado deverá assinar termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador” (Art. 75-E) é obscuro, sendo evidente que isso não dispensa a responsabilidade do empregador zelar pela saúde e segurança do trabalhador, ainda que se encontre em regime de teletrabalho, em especial com a evolução tecnológica.

 A tecnologia à disposição das empresas permite, dentre outras coisas, bloquear o acesso a plataformas e aplicativos utilizados em regime de teletrabalho, zelando pelo controle do limite das horas trabalhadas e das pausas para alimentação e descanso, o que afeta diretamente a saúde e a segurança do trabalho, apenas para citar um exemplo. 

A reforma de 2017 ainda consignou que “a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei”, especificamente quando tratar de teletrabalho, entretanto, essa previsão jamais poderá ser um salvo conduto para suprimir direitos humanos consagrados na legislação e no texto constitucional de 1988.

3. PERÍODO DE EXCEÇÃO DECORRENTE DA PANDEMIA DE COVID-19 E O PAPEL DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT)

           Não é possível desconsiderar que o teletrabalho é um instrumento eficaz e adequado para minimizar o contágio e proliferação das infecções do novo coronavírus: 

         O teletrabalho, home office, já era uma prática em algumas empresas e, com o novo coronavírus, passou a ser uma urgência para todas, atingindo muitos trabalhadores em todo o mundo. O que era exceção virou regra. Primeiramente, precisamos pontuar que o home office oferece a relevante oportunidade de manutenção das ocupações para uma parcela da população mundial. Além, é claro, da proteção contra o novo coronavírus, reduzindo o contato social e, consequentemente, o contágio e atenuando a curva de infectados com o objetivo de evitar o colapso do sistema de saúde (Brant, 2020, p. 71-75).

Nesse período de exceção é razoável atenuações de exigências normativas justamente para se adaptar à nova realidade, contudo, isso não deve significar supressão ou precarização de direitos trabalhistas. 

Dentre as inúmeras fundamentações que foram apresentadas pelos defensores do teletrabalho encontram-se a redução de custos operacionais e a maior produtividade, sendo esse o foco principal do empresariado, como se observa do relato de Luís Paulo Ferraz de Oliveira e Luciano de Oliveira Souza Tourinho:

Essa modalidade de labor foi bem recepcionada pelas empresas (ou impulsionada por elas), tendo em vista que há diminuição dos custos operacionais, tais como: água, luz, internet, serviços de higienização do local de trabalho e, principalmente, com o espaço físico da empresa, que agora não mais necessita de um ambiente grande. Para além disso, o teletrabalho costuma ser executado de forma mais célere, pois não há interferências de colegas de trabalho como na forma presencial, e exige maior concentração do trabalhador que utiliza as tecnologias da informação e da computação na jornada de trabalho (Oliveira; Tourinho, 2020).

Aliás, é nesse momento de intensificação do regime de teletrabalho que os organismos internacionais, como a Organização Internacional do Trabalho, devem zelar pela manutenção dos direitos conquistados ao longo de décadas pelos trabalhadores dada a maior fragilidade dos empregados potencializada pelo receio de perder o posto de trabalho em momentos de crise econômica.

 Raquel Brant e Helena Cardoso Mourão retratam de maneira abalizada a deterioração do meio ambiente do trabalho em decorrência da transposição do local de trabalho da empresa para a residência dos trabalhadores e as suas consequências em caráter meramente exemplificativo, uma vez que, com certeza, trata-se de um fenômeno multifacetário, com diversas intercorrências e evoluções, algumas das quais sequer ainda aventadas, entretanto, a reprodução do pensamento dos autores é essencial para permitir as devidas ilações e ponderações:

No formato baseado no cumprimento de metas, o trabalhador se vê compelido a tranquilizar o gestor, levando literalmente para dentro de sua casa o controle dele sobre o seu tempo. Apesar da concorrência que as tarefas domésticas ou o convívio familiar possam trazer ao tempo de esforço laboral, o indivíduo se mantém online e responsivo, registrando o cumprimento de metas e prazos e evitando qualquer impressão de ócio sobre as suas horas. Assim, ao afastar o olhar do empregador da observação do cumprimento da jornada mínima de seus subordinados (controle de frequência), o teletrabalho pode amplificar o poder patronal, que não mais é restrito ao registro do tempo de presença do corpo em determinado ambiente, mas transforma em ambiente laboral qualquer espaço que esse corpo possa ocupar. Podemos dizer que, antes, o trabalho era tradicionalmente possuidor de uma localização geográfica. Agora temos uma espécie de trabalho em nuvem, na qual o sujeito deve registrar continuamente provas de seu esforço (Brant, 2020). 

Claiz Gunça e Rodolfo Pamplona Filho alertam que a forma de direção do teletrabalho pelos empregadores pode ocasionar o que denominam de assédio moral organizacional virtual, ressaltando a exigência exagerada por produtividade, mantendo os trabalhadores em permanente conexão: 281 

Em virtude da cultura organizacional de constante conexão e disponibilidade, existe uma pressão por respostas imediatas, independentemente do dia, lugar e horário. Trata-se da telepressão. É comum, portanto, que o trabalhador responda a e-mails ou envie mensagens instantâneas ao supervisor ou aos clientes fora do horário de trabalho. Quando essa cobrança por conexão permanente e respostas rápidas é acompanhada de condutas abusivas e hostis, inseridas na política gerencial da empresa, surge o assédio moral organizacional virtual. Com o teletrabalho, a demanda por alta produtividade e constante conexão é ainda maior. O teletrabalho consiste no labor realizado à distância por intermédio da tecnologia da informação (Gunça; Pamplona Filho, 2021).

Durante o período de pandemia de Covid-19, ocasionada pelo novo coronavírus, alterações circunstanciais foram promovidas no teletrabalho no Brasil, em função da edição emergencial da Medida Provisória nº 927 de 2020, publicada em 22 de março de 2020. Os Artigos 4º e 5º, da Medida Provisória nº 927, de 2020, assim dispunham:

Art. 4º Durante o estado de calamidade pública a que se refere o Art. 1º, o empregador poderá, a seu critério, alterar o regime de trabalho presencial para o teletrabalho, o trabalho remoto ou outro tipo de trabalho a distância e determinar o retorno ao regime de trabalho presencial, independentemente da existência de acordos individuais ou coletivos, dispensado o registro prévio da alteração no contrato individual de trabalho. § 1º Para fins do disposto nesta Medida Provisória, considera-se teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância a prestação de serviços preponderante ou totalmente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias da informação e comunicação que, por sua natureza, não configurem trabalho externo, aplicável o disposto no inciso III do caput do Art. 62 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1943. § 2º A alteração de que trata o caput será notificada ao empregado com antecedência de, no mínimo, quarenta e oito horas, por escrito ou por meio eletrônico. § 3º As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, pela manutenção ou pelo fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância e ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado serão previstas em contrato escrito, firmado previamente ou no prazo de trinta dias, contado da data da mudança do regime de trabalho. 282 § 4º Na hipótese de o empregado não possuir os equipamentos tecnológicos e a infraestrutura necessária e adequada à prestação do teletrabalho, do trabalho remoto ou do trabalho a distância: I - o empregador poderá fornecer os equipamentos em regime de comodato e pagar por serviços de infraestrutura, que não caracterizarão verba de natureza salarial; ou II - na impossibilidade do oferecimento do regime de comodato de que trata o inciso I, o período da jornada normal de trabalho será computado como tempo de trabalho à disposição do empregador. § 5º O tempo de uso de aplicativos e programas de comunicação fora da jornada de trabalho normal do empregado não constitui tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou coletivo. Art. 5º Fica permitida a adoção do regime de teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância para estagiários e aprendizes, nos termos do disposto neste Capítulo. 

Observe-se que, mesmo diante de um estado de calamidade pública decorrente da pandemia, demonstrou-se uma ausência de preocupação com a superação da jornada de trabalho normal em regime de teletrabalho, afirmando a Medida Provisória nº 927 de 2020 (ato editado pela Presidência da República com força de lei), que “o tempo de uso de aplicativos e programas de comunicação fora da jornada de trabalho normal do empregado não constitui tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou coletivo”, o que se torna altamente discutível, ao contrário de outras disposições que se justificam em decorrência da urgência, como, por exemplo, a desnecessidade de acordo individual ou coletivo e respectivo aditamento contratual para a migração ao teletrabalho e seu retorno ao trabalho presencial.

 De outro lado, a modificação do regime de trabalho no período de vigência da medida provisória se efetua de acordo com o arbítrio do empregador, desde que “notificada ao empregado com antecedência de, no mínimo, quarenta e oito horas, por escrito ou por meio eletrônico” e os custos da infraestrutura e demais instrumentos adequados para o trabalho ainda depende do que for disposto em contrato escrito prévio ou celebrado dentro de trinta 283 dias a contar da alteração do regime de trabalho. Nesse caso, incoerente dispensar um acordo para alterar o regime de trabalho e, ao mesmo tempo, exigir um contrato escrito para dispor sobre os custos dessa alteração do regime de trabalho que, como regra, na ausência de disposição escrita, enseja a dispensa de responsabilidade do empregador pelos custos de seu próprio empreendimento. Como forma de atenuar essa obrigação, a Medida Provisória nº 927 de 2020 prevê que o empregador poderá fornecer esses equipamentos e instrumentos de trabalho em regime de comodato, que não se computarão como remuneração ou, ainda, caso seja impossível esse comodato, “o período da jornada normal de trabalho será computado como tempo de trabalho à disposição do empregador”. 

A Organização Internacional do Trabalho, nesse contexto, dentre as inúmeras finalidades e os diversos objetivos, almeja a uniformização das legislações dos diversos países no intuito de evitar uma concorrência desleal com a redução dos benefícios sociais e laborais em prol de uma maior competitividade de produtos no mercado internacional, com menores “custos” de produção, justamente pela precarização dos direitos trabalhistas4 . Essa preocupação ganha contornos mais severos na medida em que os níveis de circulação de pessoas, serviços e produtos vem se intensificando na sociedade global, fruto do multicitado fenômeno globalização, com especial importância em momentos de crise, como ocorre na atualidade, em virtude da pandemia da Covid-19.

4 “Inicialmente aborda-se quais foram os motivos mais importantes para a internacionalizar a proteção do trabalhador. Tomando-se por base a OIT, constitui sua razão essencial de se internacionalizar, de forma eficaz e permanente, a proteção do trabalhador, estabelecendo um nível mínimo de benefícios que todos os países respeitem. Os motivos que justificam esse propósito podem resumir-se a cinco pontos principais: a) a universalidade dos problemas; b) o perigo da concorrência desleal entre os Estados; c) a solidariedade entre os trabalhadores de diversos países; d) o desenvolvimento das migrações; e) a contribuição para a paz” (Gunther, 2011).

Não existe ainda uma convenção ou recomendação5 da OIT específica sobre a pandemia ocasionada pela Covid-19, circunstância justificável diante da situação vivenciada pelos diversos Estados e potencializada pelas dificuldades de composição das posições antagônicas, até mesmo diante dos empecilhos de deliberação em reunião dada as restrições de aglomeração.

 No site da Organização Internacional do Trabalho consta um informativo intitulado “As normas da OIT e a COVID-19 (coronavírus) - Perguntas frequentes - Disposições fundamentais sobre as Normas Internacionais do Trabalho pertinentes ao contexto do surto da COVID-19” (OIT, 2020), em que de maneira expressa consigna as normas internacionais em vigor que estabelecem as obrigações e os deveres de empregadores e empregados durante a pandemia. Curiosamente, apesar dos avanços tecnológicos nas últimas décadas, o documento ressalta que no âmbito da OIT, não há normas específicas em vigor regulando o teletrabalho apesar de reconhecer que, na atualidade, essa modalidade de trabalho vem sendo estimulada pelos empregadores como uma das formas de conter o avanço das infecções decorrentes do novo coronavírus.

 Apesar desse vácuo de regulação, o documento supracitado destaca que “a Comissão de Peritos tratou esta questão no âmbito de pesquisa General Survey on Working Time instruments e, mais recentemente, na pesquisa intitulada Promoting Employment and Decent Work in a Chaging Landscape”, o que demonstra uma preocupação da entidade internacional com essa modalidade de trabalho impulsionada pela pandemia de Covid19, o que em breve deve ensejar a edição de uma norma internacional, no intuito de uniformizar e harmonizar a legislação interna dos países em prol da proteção dos direitos e do resguardo da saúde e da segurança dos trabalhadores em geral. 

Enquanto uma norma específica não for cunhada no âmbito de Organização Internacional do Trabalho é possível extrair da

5 “As convenções, insista-se, equivalem a um tratado celebrado entre Estados; as recomendações, entretanto, são simples sugestões que se dirigem aos Estadosmembros pra que, se aceitas, se formule um projeto de lei” (Gunther, 2011).

Convenção nº 155 da OIT, que trata da segurança e saúde dos trabalhadores princípios e disposições tutelares em prol do resguardo da dignidade da prestação de trabalho pelos empregadores, com o objetivo de minorar ou neutralizar eventuais prejuízos aos empregados e demais trabalhadores que se encontram em regime de teletrabalho. 

Enquanto as normas internacionais e as modificações legislativas internas, no Brasil, em prol da saúde e da segurança dos trabalhadores, não forem expressamente implementadas, caberá ao Poder Judiciário conformar as normas tutelares de saúde e de segurança do trabalho à nova realidade imposta pela proliferação do regime de teletrabalho. 

CONCLUSÃO 

Além dos direitos trabalhistas que devem ser preservados em todos os regimes de trabalho (presencial e teletrabalho), o que por certo influenciará a interpretação das normas legais pela doutrina e jurisprudência dos Tribunais a médio e a longo prazo, outras questões afetas à economia não estão sendo apreciadas de maneira ponderada e com a devida atenção para evitar consequências futuras nefastas. 

A título de exemplo, observa-se uma intensa propaganda e ampla publicidade acerca das vantagens do regime de teletrabalho para o empregador, com a redução de custos com o fornecimento de água, energia elétrica, alimentação, transporte etc. Ocorre que os empregados passarão a ter maiores gastos justamente em decorrência de estarem trabalhando em regime de teletrabalho, com água, energia elétrica, internet, aquisição de móveis e computadores. Acrescente-se a isso a intensificação de doenças impactantes na saúde do trabalhador, justamente por não se deslocar mais ao trabalho, permanecendo sentado durante toda a jornada de trabalho, sem mencionar o impacto do isolamento no âmbito psicológico do trabalhador, dentre inúmeras outras consequências. 286 

Em uma acepção macro ainda é possível indicar os impactos negativos na economia, com a redução drástica do consumo de alimentos, café, lanches e demais produtos que os trabalhadores adquirem em bares, restaurantes, cafeterias, bancas de jornal e outras lojas que se localizam nos arredores da empresa em que costumavam trabalhar presencialmente. 

Pergunta-se: se todos estiverem em casa em teletrabalho quem irá almoçar em um restaurante próximo ao local presencial de trabalho? 

Observa-se que há efetivo prejuízo às atividades comerciais durante todo o deslocamento de ida e volta ao trabalho, que não se restringe à alimentação, pois o consumo de uma roupa ou eletrodoméstico é potencializado com o indivíduo vendo a loja física ou vendo uma publicidade na rua, que o estimula a ingressar no estabelecimento comercial para adquirir o produto naquele momento ou o faz pensar e retornar outro dia, por costumeiramente passar por aquele trajeto. Se soluções não forem pensadas e planejadas desde já a redução dos custos com o teletrabalho que beneficia, a princípio, apenas o empregador, acabará por aniquilar outros setores da economia em um efeito dominó infindável, com fluxos contínuos de desemprego, sem possibilidade de absorção dos trabalhadores pelo mercado de trabalho. 

Toda ação ou conduta, planejada ou não, gera um impacto nas relações sociais com consequências que podem, muitas vezes, serem antevistas, portanto, esse é o momento para ponderarmos quais os caminhos que devemos realmente traçar, avaliando os aspectos conjunturais e não apenas os circunstanciais que, por sua vez, poderão atrair problemas mais severos para a sociedade como um todo, caso não implementadas políticas públicas de fomento econômico cumuladas com garantias e benefícios sociais. 

As perguntas e as indagações são inúmeras, por conseguinte, já é chegada a hora de buscarmos algumas respostas baseadas em um planejamento estratégico adequado em que a contribuição da OIT será essencial.

Assim, no intuito de colaboração acadêmica, deixamos nossa contribuição, na esperança de que as dificuldades e os problemas intuídos e projetados sejam contornados pelos políticos, empregadores e empregados em prol de todos os cidadãos que compõem os diversos países, que, por sua vez, diante da globalização, encontram-se interligados umbilicalmente sobretudo nos aspectos econômicos. 

As ponderações apresentadas devem balizar as discussões na doutrina e na jurisprudência para aperfeiçoar a interpretação das normas legais de acordo com os fins sociais a que elas se destinam e propiciar uma atuação mais efetiva não só do Poder Judiciário, como também do Congresso Nacional e, sobretudo, da OIT.

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